sábado, 24 de dezembro de 2011

Crônica de um feliz natal

Neste natal, como nos anos passados, escrevi minha carta ao papai Noel. Não ao papai Noel tradicional, aquele com a barba branca e grande barriga, mas àquelas almas que, imbuídas do espírito natalino, resolvem, neste final de ano, fazer o natal de gente como eu um pouco menos sofrido. Deixei meu pedido na agência dos Correios próximo à favela onde moro, e saí com a esperança de que alguém tenha condições de me dar o que eu pedi: uma bola de capotão, de preferência do Corinthians, mas se não for, não tem importância. Certamente será melhor do que a bola de meia com a qual estou acostumado a jogar.

No ano passado, quando pedi um carrinho com controle remoto, infelizmente ninguém conseguiu comprar. Paciência, continuei brincando com meus carrinhos velhos, feitos de caixotes de frutas, faltando peças. Quando se é pobre como eu, dá-se um jeito de brincar com o que temos, desde carrinhos quebrados, bolas de meias velhas, ou qualquer coisa que  nossa imaginação consiga transformar em brinquedos. Isso porque, se eu não brincar, vou me lembrar a toda hora da fome massacrante que toma conta de mim; minha última refeição foi um pedaço de pão amanhecido, sem margarina e sem café, hoje de manhã.

Na realidade, o que eu queria mesmo era ter o alimento de cada dia, o café da manhã, o almoço e o jantar, como qualquer família tem. Eu aposto que a família da boa alma que vai comprar meu presente faz três refeições diárias. Era tudo que eu queria. Não fazia questão nem do brinquedo, só pra poder comer. Mas de nada adiantaria, afinal, essas pessoas generosas só se lembram de gente como eu no natal. No resto do ano, tem outras preocupações, como seus trabalhos, suas famílias, seu bem estar. Estão ocupados demais para me dar atenção.

É uma pena, pois se ganhar um brinquedo no natal é gostoso demais, passar fome e ser ignorado no resto do ano não é bacana. Mas, se essas boas almas se sentem melhor agindo dessa forma, quem sou eu pra dizer alguma coisa. Agindo assim, eles acreditam que tomarão o reino dos Céus quando partirem dessa pra melhor; lá, certamente, há fartura de comida, diversão e respeito ao próximo, nos 365 dias do ano (se é que no paraíso existe essa coisa de dia, mês, ano). Lá, certamente, não há fome, nem dor, nem hipocrisia.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Belo monte de m...

Recentemente, um grupo de atores globais se reuniu, de forma "espontânea", para fazer um vídeo protestando veementemente, com doses de ironia cretina e pseudo indignação, do alto de seus apartamentos no Leblon, contra a construção da usina Belo Monte. Disseram, entre várias besteiras, algo como "do que adianta construir a terceria hidroeletrica do mundo se ela só vai produzir 30% de sua capacidade?", "a usina vai alargar 640 km² da floresta amazônica", "será que os índios são ouvidos?" e outras falácias mal ensaiadas. O fato de tal vídeo ter sido feito por atores globais já seria mais do que suficiente para este pretenso blogueiro ser contra, mas como não posso ser simplista a este ponto, fui correr atrás de informações para poder formar uma opinião minimamente embasada.

Pois bem, escolhi alguns tópicos abordados no filmete: é questionado se nós sabemos o que é energia limpa. Eu sei, mas, pelo visto, os engajadinhos de Jacarepaguá, não. Qualquer energia que não utilize combustíveis fósseis (carvão, petróleo), que poluem a atmosfera e provocam o efeito estufa, é limpa. Energia eólica, térmica, hidrelétrica são limpas e renováveis, pois não emitem gases e não consomem recursos naturais. Pronto, a primeira falácia foi por água abaixo (com o perdão do trocadilho). Depois, os atores afirmam, com base em sei lá o que, que a usina vai alagar 640 km² da floresta, que por isso será desmatada. Outra mentira deslavada. A represa terá 503 km², sendo que 228 km² são de áreas já desmatadas, ou seja, o desmatamento será menor do que a metade do que foi divulgado pelo movimento Gota D'água. Há de se considerar, ainda, que após o término da obra, todo o entorno da represa será preservado pelo próprio empreendimento. 

Falam ainda que os índios e ribeirinhos serão expulsos do local, e que sequer foram consultados. Bom, vamos por partes: sim, eles foram consultados e apresentados ao projeto, sobre o qual puderam debater, e nenhum índio sairá das terras por causa da obra. Ao contrário: se hoje se encontram em condições adversas, dada à falta de assistência de toda sorte de serviços públicos na região, com a construção de Belo Monte, programas de apoio e proteção serão implementados para ajudá-los. Em relação aos ribeirinhos, aqueles que serão deslocados terão suporte financeiro e social para prosseguir com suas vidas em melhores condições do que antes. Os defensores das árvores (do Jardim Botânico) mencionam que Belo Monte só produzirá 1/3 de sua capacidade, o que, pra variar, trata-se de outra inverdade. A usina vai produzir 41 % do que é capaz (justamente por causa das modificações no projeto inicial, visando minimizar os impactos ambientais na região; se não fosse por isso, certamente teria uma capacidade de geração maior), e essa diferença, embora pequena, é significativa em termos absolutos, pois é energia suficiente para abastecer quase metade de todo consumo residencial do Brasil. A pior ficou pro final, pois demonstra uma total falta de conhecimento (talvez proposital), sobre a região. Um dos ambientalistas afirma que o Parque Nacional do Xingu será alagado, por ficar logo abaixo da barragem. Seria verdade, se o referido parque não ficasse a mais de 1300 km do local. Nada mais a declarar depois dessa...

Vocês, que curtem e compartilham o Movimento Gota D'agua nas redes sociais, antes de fazê-lo, procurem se informar, pois os comprometidos com o meio ambiente (da Barra da Tijuca) são meros porta-vozes de quem NUNCA fez NADA em benefício do país, e querem, mais uma vez, impedir que o progresso alcance milhares e milhares de brasileiros. Ou, caso ainda sejam contra o empreendimento, que apresentem argumentos sólidos, consistentes, e não façam como essa laia global, esse belo monte de m....



domingo, 30 de outubro de 2011

A falta de bom senso: o câncer que acomete os imbecis

Ontem, dia 29 de outubro de 2011, o ex-presidente Lula foi diagnosticado com câncer na laringe. Milhares de pessoas, pela internet, mandaram suas mensagens de apoio ao ex-chefe da Nação; no entanto, surgiram também muitas piadas feitas com a doença que acomete o antecessor de Dilma. Primeiro, só pra ficar bem claro, é um direito quase que sagrado gostar ou não de alguém; assim como muitos gostam do Lula, outros (nem tantos) simplesmente não o suportam. Eles tem esse direito, afinal, vivemos em uma país democrático, com liberdade de expressão e de opinião.

O que assusta é, na verdade, a falta de sensibilidade, ou, pra ser mais preciso, a imbecilidade de algumas figuras que ousam brincar com algo que ceifa a vida de milhares de brasileiros todos os anos, e para o qual o homem não encontrou um meio completamente eficiente de curar, sem o risco de recidiva. Idiotices como "Gianecchini com cancêr... FORÇA GIANECCHINI!!! Lula com cancêr... FORÇA CANCÊR!!!", e outras, que brotaram nas redes sociais de ontem pra hoje, são de um mau gosto sem tamanho, e na maioria dos casos são feitas e difundidas por gente despolitizada e preconceituosa, de uma geração de cretinos que abundam aos montes nos dias de hoje.

Talvez (e isso é só um palpite) se tivessem, eles mesmos, ou alguém de sua família, que tratar de um câncer, certamente não seriam tão espirituosos a ponto de escrever e espalhar tanta babaquice nas redes sociais. Mas fica cada vez mais claro que quem usa desses artifícios é a mesma gente desqualificada que vê as conquistas obtidas no governo anterior como mera esmola dada aos pobres, ou que usa os (muitos) casos de corrupção que ocorreram no governo passado (e em todos os outros; a corrupção corre solta no Brasil desde, sei lá.... 1500; a diferença é a divulgação dada a ela, mas isso é tema de outro post, outro dia qualquer) como justificativa para desejar um mal tão grande ao ex-presidente. Tenho pra mim que os idiotas que fazem esses gracejos são os mesmos que leem a Veja ou a Folha de São Paulo, e se acham bem informados de tudo o que acontece. Rezam conforme a revista semanal  e o periódico determinam. Acham o Azevedo, o Mainardi e a Cantanhede verdadeiras sumidades quando o assunto é política, e tomam o que eles escrevem como os mandamentos sagrados. Pobres almas...

É salutar que as pessoas tenham opiniões distintas, e que possam expressá-las sempre que acharem necessário, mas um pouco de bom senso e discernimento não faz mal. Ao contrário do câncer que acomete o ex-presidente, o Gianechini e tantos outros milhões de brasileiros. Em suma, pra encerrar este post, sejam imbecis em relação a outros assuntos, mas quando o tema for uma doença potencialmente letal, tentem ficar calados. É um favor que fazem a si próprios, e a milhares de brasileiros.

sábado, 10 de setembro de 2011

O 11 de setembro que ninguém lembra


No próximo 11 de setembro, completa-se 10 anos do ataque às Torres Gêmeas, em Nova York, e ao Pentágono, em Washington DC. O planeta parará para ver as homenagens, far-se-ão minutos de silêncio mundo afora, redes de televisão darão voz aos parentes das vítimas ou aqueles que, milagrosamente, conseguiram escapar daquele que, dizem, foi o maior atentado terrorista da história. Na mesma data, só que há 38 anos, ocorreu um fato, também brutal, mas do qual pouco se ouve falar. Em 11 de setembro de 1973, foi consumado um golpe de Estado, com a colaboração norte americana, no Chile, naquele que é considerado um dos mais violentos golpes que ocorreram na América Latina nos anos 1960 e 1970.

Sob o governo de Salvador Allende, socialista eleito democraticamente, o Chile passou a controlar a maior parte de sua economia (foram estatizadas várias empresas, minas de cobre, bancos etc); por isso, os Estados Unidos, que já haviam financiados golpes no Brasil, Argentia e Uruguai, entre outros,  viam no governo Allende uma séria ameaça: a de transformar o Chile em uma nação socialista no Ocidente, algo inaceitável (e que já havia acontecido em Cuba) em tempos de Guerra Fria.

Com o apoio da CIA, que conspirou com grupos paramilitares direitistas, com os militares e com a oposição, o golpe militar se consumou em 11 de setembro, quando, ao resistir em La Moneda, e disposto a qualquer preço a não entregar o poder, Allende suicida-se com um tiro na cabeça (com um fuzil AK-47, presente de Fidel Castro).

O que aconteceu posteriormente, quando o general traidor Augusto Pinochet assume o poder, não carece de maiores explicações: repressão, censura, tortura, execuções de trabalhadores e estudantes no Estádio Nacional. Ao todo estima-se que 3 mil pessoas morreram nos anos de chumbo no Chile (1973-1990). Aproximadamente 3 mil pessoas morreram nos atentados de 11 de setembro de 2001.


*todas as mortes citadas foram brutais, e, na maior parte, de civis. Não se pretende aqui comparar um fato ao outro, pois a comparação é fora de propósito. Busca-se apenas alertar que todas as vidas perdidas nos dois eventos foram consequências de uma necessidade de se conseguir, a qualquer custo, impor ao mundo suas vontades, sua política neoliberal, o "american way of life". E, ressalve-se, os maiores atentados terroristas da História da Humanidade ocorreram em 6 e 9 de agosto de 1945, em Hiroshima e Nagazaki, quando 500 mil japoneses (civis) morreram pelas bombas atômicas lançadas pelo Estados Unidos da América.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Meias verdades (ou plenas mentiras)

Saiu nos jornais: policiais são investigados em São Paulo por suposta violência contra dois homens baleados. O "suposto" dessa primeira frase foi mero sofisma, já que há o registro da cena, gravado e amplamente divulgado. Isso reforça o quão despreparada é a Polícia Militar do Estado de São Paulo, já que denúncias de abusos cometidos por quem deveria contê-los são relativamente comuns. Houve, pouquíssimo tempo atrás, uma tentativa de assalto a um caixa eletrônico na zona Norte de São Paulo. Pois bem, a Polícia Militar foi chamada e, adivinhem: seis ladrões mortos, nenhum policial ferido. O que seria algo trivial (não se discute aqui se eliminar bandidos é ruim ou bom, cada um com suas opiniões), se observado com um pouco mais de zelo, torna-se asqueroso: todos os bandidos mortos foram baleados ou pelas costas, na altura da cabeça, e com marcas de tiros nas mãos, o que indica que os meliantes tentaram se proteger. Aí, usando um pouco de inteligência, conclui-se que o que ocorreu, verdadeiramente, foi uma execução sumária.

Depois desse preâmbulo, vêm o que realmente queremos discutir, que é a repercussão que tais fatos têm, dentro do nosso círculo familiar e de amizades . O mais interessante é ouvir a opinião dos mais velhos, que beira quase sempre uma radicalidade digna dos incautos: "a PM está certa, tem que matar todos eses vagabundos", e até clichês do tipo "bandido bom é bandido morto". Nessa discussão, fica claro que a geração que tem seus 50, 60 anos tem uma opinião formada que vai de encontro, e que remete à época da ditadura militar. Pra quem não tem conhecimento sobre o regime, na época em que vigorava no país, havia uma sensação falsa, manipulada, de que nosso bairro, nossa cidade, eram lugares muito mais seguros do que hoje. Essa segurança era dada, principalmente, pelo polícia altamente repressora, desrespeitosa dos direitos básicos do cidadão (qualquer cidadão), mas que, segundo os mais velhos, "não permitiam essa algazarra que se vê atualmente". Não consideram, porém, que nessa época, a polícia se impunha pelo medo, e não pelo respeito à autoridade. Mas, com a intransigência que caracterizam os mais vividos, provavelmente diriam que, quem não viveu naquele tempo, não poderia discutir sobre o tema.

A discussão nos dá base a uma reflexão que deveria ser obrigatória a todos: como nós enxergamos os problemas do nosso país, em especial o da segurança pública e a forma como lidamos com as informações sobre o tema. Talvez pelo fato de terem vivido uma época em que a notícia era dada de acordo com interesses de quem mandava (o governo repressor, a TV Globo etc), nossos pais têm suas opiniões e conceitos formados a partir de uma única versão: a oficial. Por exemplo: se o Esquadrão da Morte matou alguém, sob o pretexto de que esse alguém era bandido, e as mídias de então (TV e jornal) repassaram essa informação aos seus espectadores/leitores, é essa a versão que vale. Se é verdadeira ou não, isso não tem a menor importância.

No entanto, pode-se afirmar, sem medo de errar, que a responsabilidade por alguém recorrer ao mundo do crime não é só da própria pessoa, mas de todo um sistema que serve unicamente para estimular as desigualdades, reprimir as liberdades, moldar a consciência dos desavisados a seu bel prazer, transformar seres humanos, com suas falhas e fraquezas, em monstros que devem ser exterminados, para que nós possamos viver nossas vidinhas sob uma Ordem forçada e um Progresso que nunca chega. Mas, se ousarmos falar isso perto de alguém mais velho, certamente argumentarão que viveram em uma época em que havia menos oportunidades do que hoje, e que nem por isso viraram bandidos. 

Ora, cada indivíduo pensa de um modo diferente, vive situações diferentes, enfim, tem suas particularidades que podem transformá-los em mocinho ou vilão; é algo que não se pode generalizar, sob o risco de misturar realidades e situações distintas num único balaio. Uma contradição que serve para ilustrar o pensamento limitado da geração dos nossos pais: eles não se cansam de falar que "os ex-presídiarios não querem trabalhar, pois são vagabundos, por isso voltam ao mundo do crime", mas não consideram que a falta de oportunidades aos que saem da cadeia se deve ao próprio sistema que está posto. Aqui é proposto um exercício: tentem questionar seus pais, hipoteticamente: se eles fossem empresários, contratariam algum ex-detento para sua empresa. De novo, sem medo de errar, 90% responderiam, taxativamente: "de jeito nenhum!". Ou seja, a própria sociedade, que é também é responsável por formar o caráter daquele vive em seu meio, além de não fazê-lo, renega àqueles que mais precisam de ajuda. 

Mas, voltando ao tema inicial, ao discutir sobre a ação da polícia no caso dos dois homens baleados com alguns amigos, todos, sem exceção, afirmaram que a ação foi legítima, e até que deveria ser feita com mais frequência. Ou seja, tudo o que foi escrito sobre a geração dos nossos pais, pode-se, em certa medida, aplicar também a nossa juventude. Defendem que aqueles que deveriam zelar pela segurança e fazer valer a lei tornem-se, além de policiais, juízes e carrascos ao mesmo tempo. Há um sentimento geral de que o problema é estritamente pessoal, que circunstâncias externas não influem na formação do caráter. Como se você não fosse responsável por haver tanta violência; como se no ônibus, ao se recusar a sentar ao lado de alguém considerado 'diferente' (seja por que é negro, ou gay, ou porque está mal vestido pois não tem dinheiro pra comprar roupas novas), você não colabore para que o sentimento de revolta brote dentro de quem é discriminado; ou, como quando se, ao avistar alguém que julgue suspeito por causa da cor da pele, você atravesse a rua a passos largos. Essas situações, que só quem vive pode falar a respeito, tem um impacto em cada indivíduo. Uns tiram de letra, outros se revoltam; e, se se revoltam, tenha certeza que você também é diretamente responsável por isso.

Finalizando, o fato de se criticar o trabalho da Polícia Militar não significa uma preferência aos vilões da vida real; este espaço visa apenas propor que, daqui por diante, sempre que se tiver notícias como as expostas no primeiro parágrafo, que busquem obter mais informações, nas mais diversas fontes, ouvindo sempre todas os lados envolvidos, e não apenas formar opinião com base na manchete do grande jornal. Assim, talvez não incorramos no erro das gerações passadas, fazendo comentários raivosos, mas sem qualquer profundidade, servindo apenas como caixa de ressonância de meias verdades (ou plenas mentiras).

domingo, 29 de maio de 2011

Vitória?

No início de maio, o Supremo Tribunal Federal aprovou, por unanimidade, a união homoafetiva, que possibilitará, entre outras coisas, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Por 6 votos a 0, o STF mandou às favas seu conservadorismo habitual, e decidiu em favor de uma parcela da sociedade que, em pleno 2011, ainda sofre com o preconceito enraizado nas "boas almas cristãs" deste país.

A aprovação, por si só, é digna de nota, pois, a partir de agora, os gays terão os mesmos direitos dos casais heterossexuais ao se unirem no sagrado matrimônio, ou até mesmo quando somente tiverem constituído uma união estável. Entretanto, em uma análise mais ampla, e após observar a movimentação dos retrógrados intolerantes, compostos, em sua maior parte, por deputados da bancada evangélica na Câmara Federal (aquele local puro onde somente pessoas com passado e presente ilibado labutam arduamente, de terça à quinta, para o desenvolvimento do Brasil), e também por setores da Igreja Católica, acredito que, na prática, pouca coisa mudará para essa camada de sociedade.

Isso porque, embora o reconhecimento da união homoafetiva seja um passo de relativa importância, enquanto houver imbecis que atacam e quebram lâmpadas na cabeça de alguém por considerá-lo afeminado, ou enquanto uma instituição desmoralizada por seus casos de pedofilia continuar 'jogando contra' (embora se reconheça que uma parcela da igreja se mostrou favorável à decisão), ou, ainda, enquanto houver vigaristas da fé no Plenário Nacional fazendo de tudo para que essa parcela não tenha voz ativa, os gays continuarão padecendo do mesmo mal que lhes aflige desde sempre: o preconceito e o desrespeito da maior parte do povo brasileiro,  manipulado por quem se apega a doutrinas religiosas interpretadas da forma que melhor lhes convém; ele, o povo, nesse caso, é mero fantoche dessa corja de aproveitadores.

O STF deveria votar, sim, talvez até com maior urgência, a criminalização da homofobia, para que os detratores dessa minoria pudessem ser punidos cada vez que lançassem mão de seus ataques raivosos contra os homossexuais. Permitir que eles se unam legalmente, mas que continuem sendo atacados por gente da pior espécie, parece ser algo sem efeito, pois não resolve ou ameniza o problema principal: a falta de respeito para com o próximo, só porque ele não tem a mesma opção sexual que a maioria da população.

Por tudo isso, não acredito que a decisão do STF seja, efetivamente, uma vitória do público GLS. Foi um importante passo, mas ainda pequeno, pois, enquanto não se tomarem medidas práticas para arrefecer o preconceito incrustado nas mentes pequenas da sociedade brasileira, o reconhecimento da união homoafetiva não terá efeito prático; dar-lhes-á o direito de constituírem família, adotarem filhos etc, mas não impedirá que continuem marginalizados aos olhos desse povo tradicionalista e conservador.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Isso aqui é trabalho, meu filho!!

Definitivamente, sou um sujeito antissocial. Quase não tenho amigos, e, dos poucos que considero como tal, de uns tempos pra cá andam meio distantes. Isso não é um problema; pelo contrário: aquele provérbio "antes só do que mal acompanhado" cabe perfeitamente a mim. Aliás, eu acrescentaria: "antes só do que mal acompanhado, ou mesmo acompanhado". Companhia, só se for muito boa mesmo, daquelas que ou te acrescentam alguma coisa, ou que pelo menos seja divertida.

Existem pessoas que tem uma necessidade quase patológica de se dar bem com todo mundo, como se essa aceitação significasse que outras pessoas gostem dela, ou mesmo que as respeitem. No ambiente corporativo tem muito desse tipo de gente. Esse tipo mal te cumprimenta, mas se precisam de algum favor ou de qualquer outra coisa, vem falar contigo como se fosse amigo íntimo. Eu tenho certa repulsa a esse tipo de pessoa. Felizmente, não sou dessa laia. Procuro tratar a todos no trabalho da mesma forma, considerando, é claro, o grau de intimidade com uma ou outra pessoa, que me permite, em alguns casos, fazer piadinhas cretinas, observações vazias ou brincadeiras sem graça.

Não participo de campanhas cujo objetivo é (me) aproximar (d)essas pessoas, pois dispenso essa aproximação. Nos cafés da manhã e almoço em equipe, se não fosse pela comida, eu jamais faria parte dessa tentativa patética de congregar pessoas que, na maioria dos casos, mal se respeitam, e na primeira oportunidade, falam mal um do outro pelas costas. Penso que o mais correto, no ambiente empresarial, é chegar pela manhã, falar 'bom dia' a quem estiver por perto, trabalhar, e dizer 'até amanhã' quando for embora. Mais do que isso, é excessivo, e, portanto, perfeitamente dispensável.

No trato com os superiores em hierarquia, a relação é boa, até certo ponto amistosa, porém distante, como toda relação patrão-empregado deve ser. Faço meu trabalho bem, consequentemente sou bem avaliado, e ao final do mês recebo meu salário (que não é condizente com o trabalho bem feito, mas vá lá). Sem puxa-saquismos, conluios, patotas ou seja lá o nome que queiram dar a essa relação. Essa coisa de ser amigo de chefe é, além de hipócrita, perigosa, pois se amanhã ele precisar fazer algo que te prejudique (aplicar uma sanção, ou mesmo te demitir) ele o fará sem qualquer culpa. Ou mesmo que tenha alguma culpa, ele fará o que tem que fazer de qualquer forma, então, quando chegar minha hora de receber o bilhete azul, que seja estritamente profissional, sem lágrimas forçadas ou desculpas esfarradapadas por ter que dispensar um "brother".

Meus (poucos) amigos estão aqui na bairro, na rua de casa, no meio dessa gente que me conhece desde moleque, sem dissimulações ou melindres. Os parceiros de verdade estão basicamente na família, pois quando eu precisar de qualquer coisa, posso recorrer a eles sem pensar duas vezes. Os demais são apenas colegas de trabalho, e, provavelmente, quando mudarmos de emprego, não teremos mais contato nenhum (exceto com a rapaziada do futebol, mas aí é outra história; o que o futebol une, só Deus pode separar).

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Brasil, um país de tolos

*texto escrito originalmente pouco depois das eleições, em outubro de 2010

Tá certo que a política partidária brasileira sempre foi, digamos, peculiar, mas o que se vê de uns tempos pra cá é algo digno de um estudo mais aprofundado, ou ao menos de se pensar em pedir asilo ao Paraguai. Somente aqui, um cantor de pagodes de gosto duvidoso, e, pasmem, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, representante maior do capitalismo, saem candidatos a senador e a governador, respectivamente, pelo...Partido Socialista Brasileiro!! Sim, socialista, como se fossem discípulos de Marx e Lenin, que, pobres coitados, certamente se reviraram em seus caixões (ou, no caso de Lenin, em seu mausoléu, onde está embalsamado)...

Ou, o que dizer do dito esclarecido povo paulista, que votou em peso, como protesto (a que?), em um palhaço analfabeto sem qualquer preparo para exercer qualquer função que seja na Câmara dos Deputados. Mas parece-me que, um povo conservador como esses pobres paulistas, que elege há vinte anos o mesmo partido para governá-los, apesar do fracasso da segurança pública e da educação em São Paulo, não é do tipo que faz voto de protesto. Parece-me burrice pura e inexplicável mesmo...

Se bem que, pra quem já viu o imortal (em todos os sentidos que esta palavra possa ter) José Sarney, ex-presidente de ocasião, cujo maior feito foi agravar uma gigante crise econômica que assolava o país, e que já tinha sido governador e senador pelo Maranhão, sair candidato e se eleger senador pelo Amapá (!),  não há nada mais que surpreenda, afinal a estupidez popular não respeita meras divisas estaduais.

Aqui, o Partido da Social Democracia Brasileira volta seus olhos à tudo, menos ao social propriamente dito, e o Partido dos Trabalhadores faz jus ao seu nome, pois é um verdadeiro cabide de empregos; o Partido da Mobilização Democrática Brasileira é contra, por meio de seu expoente maior (aquele que citei no parágrafo anterior, sempre ele!) o voto facultativo, talvez uma das bandeiras maior do estado verdadeiramente democrático. Mas é sempre favor do governo, seja ele quem for e independente do que ele faça.

Nas últimas eleições deste Estado laico, a religião teve "papel" importante ao pautar o debate político, a ponto dos principais candidatos evitarem tocar em assuntos como o aborto (mais do que religião, deveria ser tratado como um problema de saúde pública), e quando se arriscavam a comentar sobre este tema, adotavam posturas mais que conservadoras; quanto a defesa dos direitos dos homossexuais, os candidatos quase sempre se saíam com evasivas, talvez para não perder votos de um eleitorado majoritariamente cristão; ou mesmo o problema das drogas (tráfico e legalização), que, embora não tenha relação direta com a religião, também foi pouco debatido durante o período pré eleitoral.

Tudo isso não é novidade, afinal quem acompanha com um mínimo de atenção a vida política brasileira, sabe que as convicções partidárias e ideológicas dos candidatos ficaram em segundo plano; o que importa são os mimos pré eleitorais às camadas mais pobres, que vão desde camisetas baratas à chaveiros e dentaduras, e a promessa de que esses presentinhos se converterão em votos; o que impera são a hipocrisia e a dissimulação. O triste é constatar que figuras que há anos mamam nas tetas de um cargo público não tem um pingo de consideração pelo povo que os elegem, e o povo, por sua vez, demonstra ser alienado e descompromissado com o próprio bem estar.

Mas, enfim, cada Estado tem o governo que merece; o que importa mesmo é o time de coração seja campeão, ou que a mocinha fique com o herói galã ao final do folhetim; na verdade, o povo nada mais é do que um espelho de seu governante: omisso, mesquinho, egoísta. Simples, e triste, assim.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Orgulho que nem todos podem ter

O que nos leva a gostar tanto de algo que, de concreto, não nos dá qualquer retorno? Por exemplo, porque torcemos fervorosamente para um time de futebol? Ele não nos sustenta, não paga nossas dívidas (pelo contrário, às vezes nós é quem damos nosso suado dinheiro ao clube, ao comprarmos ingressos, produtos oficiais, ou se tornando sócio etc.), e mesmo assim, desperta em nós sentimentos diversos e extremados: alegria e euforia, tristeza e desolação.

Não tenho a minima condição de explicar a paixão por um clube; é algo inato, nasce com a gente, assim, sem mais nem por quê. Minha relação com o Santos Futebol Clube começou como a maioria das relações clube/torcedor: meu pai, santista fanático, determinou que eu seria santista, e ponto final. Mas desconfio que, mesmo se ele fosse corintiano ou palmeirense, ainda assim eu seria santista. Isso porque, quando comecei a acompanhar futebol, o clube vivia a pior fase de sua história (começo dos anos 90), com jogadores medíocres, sem dinheiro, com administrações fracassadas, enfim, tudo jogava contra, e, mesmo assim, continuei, firme e forte, torcendo e sofrendo pelo Santos (isso numa época em que o São Paulo era campeão mundial interclubes, e o Palmeiras começava a montar a seu esquadrão com a sua co gestora).

Lembro-me do primeiro jogo que vi no estádio (Santo André 1 X 0 Santos, aqui em Santo André, estréia do Edinho, filho do Rei, na meta do Peixe), do time do Brasileiro de 1995, com o maestro G10vanni, o Messias; dos extremos vivenciados ao longo de uma semana, na euforia pela vitória do dia 10/12/1995, no Santos 5 X 2 Fluminense em um Pacaembu absolutamente lotado, à tristeza e às lágrimas do dia 17/12/1995, Santos 1 X 1 Botafogo; algum tempo depois, veio o bom time de 1998 e, em especial, Viola, que, de certo modo, com sua irreverência e malandragem, devolveu ao torcedor do Santos um pouco da alegria que estava distante da Vila Belmiro há alguns bons anos; em 2001, naquele 13 de maio, dia das Mães, a decepção máxima por aquele gol sofrido quando faltavam dez segundos... nesse dia, prometi a mim mesmo não torcer nunca mais para qualquer time de futebol (obviamente, a promessa não foi cumprida, como poderão constatar adiante).

Pois, quando todos davam o Santos como morto, 'time pequeno', e outros absurdos, que somente os que não entendem a mística do Manto Sagrado imaculado poderiam dizer (pobres almas!), em 2002, surge aquela geração de moleques abusados e irreverentes, e devolve ao santista o orgulho de vestir a camisa alvinegra novamente e extravasar a felicidade contida por longos  18 anos (18 anos e 13 dias, pra ser exato). Naquele 15 de dezembro de 2002, o santista voltou a sorrir, pra nunca mais deixar de fazê-lo.

Depois disso, ganhamos outros títulos, por muito pouco não fomos campeões da América depois de 40 anos, e também tivemos derrotas acachapantes, e de novo péssimas administrações, mas o mais importante, o resgate da auto estima do torcedor do Peixe, já estava consolidado. Nomes como Robinho, Diego, Elano, Léo, Renato, Neymar, e principalmente, pelo menos para este blogueiro, G10vanni, foram determinantes nesse processo, assim como tantos outros, nem tão brilhantes como os citados, mas que também deram sua contribuição para que hoje tenhamos ainda mais orgulho de ser santistas.

Pra encerrar, em 14 de abril de 1912, no mesmo dia em que um gigante afundava, nascia o maior time de futebol de que se tem notícia. Hoje, 14 de abril de 2011, o Santos necessita desesperadamente de uma vitória, nem que seja de meio a zero com gol de mão, para ganhar sobrevida na Taça Libertadores da América. Para os outros times, talvez uma missão inglória, mas pra quem já passou por grandes obstáculos (que outro time parou uma guerra?), essa batalha de Assunção não pode, e não deve, nos atemorizar; sou mais Santos, sempre, contra quem quer seja.

Tudo isso, apenas para dizer: parabéns, Santos meu amor, pelos seus 99 anos, pelo passado e presente gloriosos, e pelo futuro brilhante garantido pelos craques que brotam em seus gramados. Como bem diz o nosso hino oficial, "nascer, viver e no Santos morrer, é um orgulho que nem todos podem ter".

segunda-feira, 11 de abril de 2011

O dia em que a cidade parou

Santo André parou. Hoje, dia 11/04/2011, a cidade travou. Num trecho de aproximadamente 2 km, que costumeiramente se percorre, de ônibus, em 3 minutos, foram gastos 25. Isso às 8:30 da manhã, no contra fluxo de quem vêm à cidade para trabalhar, ou apenas de quem passa por ela rumo à capital ou às outras cidades próximas (São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul). Parecia a 23 de maio às 18 horas numa sexta feira chuvosa, não fosse o fato de que era a Avenida Perimetral (e também, em sua continuação, a Avenida Santos Dumont e Avenida Giovanni Batista Pirelli), numa segunda feira ensolarada, de manhã. Sim, a cidade travou.

O que era (é) comum apenas em dias de chuva e nos horários de pico ficou banal. A partir de hoje, em horários de ida e volta pra casa dos trabalhadores e estudantes, independente do dia ou do clima, Santo André vai parar. Parar, pra nunca mais andar como antes.  A quantidade de ruas já não comporta o crescente número de carros que circulam.  A companhia de tráfego, em vez de orientar, tem como função única multar os carros que bloqueiam os faróis "desinteligentes" (sim, "desinteligentes porque pode-se facilmente verificar faróis que privilegiam as ruas secundárias em detrimentos às avenidas, que comportam o grosso do trânsito).

O transporte público, que poderia amenizar esse problema, é insuficiente, tanto em número quanto em qualidade (os ônibus são novos, é verdade, mas não há integração entre as linhas, exceto quando se é estudante, e de forma muito restrita; algo como o Bilhete Único, uma das boas ideias do administração paulistana em meados dos anos 2000, por aqui sequer é considerado). Não discutirei, pelo menos não agora, o (des)respeito aos horários e aos itinerários das linhas municipais, mas isso fica para outra oportunidade.

Outro agravante é a condição precária das vias, principalmente daquelas que não são as principais, mas que também são importantes para ajudar a desafogar o trânsito pesado em momentos críticos. Ruas esburacadas, mal iluminadas, sem sinalização, seja por placas ou no asfalto, também contribuem para a instauração do caos na cidade.

Pra finalizar, e esclarecer, tudo o que foi posto não é uma crítica só a administração atual, até porque os problemas mencionados vêm de longa data, mas o fato é que, no dia 11/04/2011, às 8:30 da manhã, a cidade parou. Parou, e nunca mais voltará a ser como antes.