No último dia 20, foi celebrado mais uma vez o dia nacional da Consciência Negra, criado com o objetivo de trazer a reflexão do papel do negro na sociedade, relembrar as lutas dos movimentos negros, renovar as energias para se conquistar cada vez mais direitos e igualdade de oportunidades, e também para aflorar o orgulho que o simples fato de ser negro traz a cada um de nós.
Essa introdução serve para conduzir ao ponto que mais chama a atenção: o desconforto que qualquer assunto relacionado aos negros traz às pessoas. Parece que abordar a questão do preconceito racial causa engulho ao cidadão de bem-cristão-classe média. Um exemplo claro disso é o caso do goleiro Aranha, do Santos. Alvo de injúria racial por parte de torcedores do Grêmio de Porto Alegre, o arqueiro praiano decidiu trazer o assunto à baila; ao invés de se calar, como muitos outros fizeram anteriormente de forma covarde, resolveu botar a boca do trombone. Muitos disseram que ele deveria ter ficado quieto e deixado o assunto cair no esquecimento. Resumo da história: vimos mais gente defendendo a uma menina que o injuriou do que a ele, vítima das ofensas. Esse foi só o exemplo mais recente e notório do racismo tupiniquim.
“Ah, mas é só parar de falar mais em racismo que o racismo deixa de existir” ou sua versão mais requintada “não existe raça negra, amarela ou vermelha. Existe raça humana”, são os argumentos principais de quem acredita não haver ou fecha os olhos para a discriminação racial em pleno século XXI. É a tal da lógica de Morgan Freeman. Convém lembrar que essa mesma turminha do barulho é, em sua maioria, contra as cotas para negros nas universidades, sob a falsa lógica do racismo inverso (?), e contra qualquer ação que possa beneficiar, ainda que minimamente, um povo que sofreu por séculos com escravidão, segregação e outras monstruosidades inimagináveis.
Se formos levar ao pé da letra a lógica do “é só parar de falar em racismo que ele acaba”, deveríamos então parar de falar de assassinatos de negros nas favelas em proporção absurdamente maior do que de brancos, ou da figura do negro sempre como serviçal nas novelas globais e não globais. Ou, saindo um pouco do tema, vamos parar de falar em corrupção, de pobreza, da fome que ainda mata milhares de pessoas em todo o mundo. Enfim, quando surgir um problema espinhoso pela frente, a solução é deixar de falar nele que ele vai se resolver por si mesmo.
Assim sendo, que tal pararmos de falar da falta de água em São Paulo? Se você fizer isso, pode acreditar que em questão de horas, a água vai brotar do solo rachado dos reservatórios e você poderá, finalmente, tomar seu banho de meia hora e lavar seu quintal todo dia, usando o jato d’água como vassoura. Basta depois não tocar no assunto.
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