Não é segredo para ninguém que este blogueiro é fã, desde que se conhece por gente (provavelmente até antes disso) de Raul Seixas. Por influência do meu pai, ouço Raulzito desde o berço, o que fez com que eu aprendesse rapidamente todas as suas músicas, de todos os álbuns. Isto posto, o que se segue é, mais do que o relato de um fã incondicional do maluco beleza, a impressão que se tem quando se assiste a imagens inéditas, raras, e entrevistas com figuras que fizeram parte da trajetória artística de Raul. E , na sequência, faço alguns registros sobre o artista, sob a ótica estritamente pessoal, sem qualquer pretensão de parecer isento ou imparcial.
Neste fim de semana, tive a oportunidade de assistir o documentário "Raul - O Início, o fim e o meio", de Walter Carvalho. Antes de mais nada, deixo claro que será difícil dissociar um elogio de um fã como este blogueiro de um simples comentário favorável ao filme, que, por sinal, é ótimo. Em que pese a ausência de figuras importantes na carreira de Raulzito, como Jerry Adriani, que o trouxe para o Rio de Janeiro depois de vê-lo tocar lá na Bahia, o filme contém depoimentos, nem sempre agradáveis, de todas as ex-mulheres (Edith, Gloria, Tania, Kika e Lena, em ordem cronológica), suas filhas (Scarlet, Simone e Vivian), sem contar do irmão Plínio (para quem Raul compôs e gravou "Meu Amigo Pedro"), e boas surpresas, como Tom Zé e Caetano Veloso, desafeto de Raul, mas reconhecedor da importância dele num momento conturbado da vida política brasileira, os companheiros Panteras (Mariano, Carleba e Eládio), Cláudio Roberto (parceiro em algumas de suas composições mais famosas, como "Maluco Beleza" e "O Dia em que Terra parou"), e participações que não poderiam ficar de fora, como o parceiro dos maiores sucessos, Paulo Coelho, e aquele que lhe deu a oportunidade de voltar aos palcos, depois de quatro anos recluso, pouco antes de morrer, Marcelo Nova.
Embora grande parte do filme conte histórias que quem acompanha o artista já conhecia ao ler livros a seu respeito, houve espaço para informações desconhecidas pela maioria, como o vício de Raul em cheirar éter, já no ocaso de sua vida, ou o uso recorrente de cocaína. Imagens raras deixam os espectadores maravilhados, como ele em estúdio gravando "Mosca na Sopa", no Hollywood Rock de 1975, e a famosa entrevista logo após seu carro ser atingido e danificado na orla de alguma praia carioca por ondas gigantes decorrentes da ressaca do mar, quando, ao ser perguntado o que achou do acontecido, Raul, com tranquilidade e desapego, afirma que "a natureza está certa". Esse era Raul, aquele que passava uma mensagem em todas (sem exceção) as suas canções. Poderia ser uma crítica contundente à sociedade contemporânea (Ouro de Tolo, Sociedade Alternativa, Maluco Beleza, Cambalache, Você, S.O.S), ao matrimônio e a monogamia (Medo da Chuva, A Maçã), à religião, a igreja e ao Juízo Final (Judas, How Could I Know, Baby, Ilha da Fantasia, Pastor João e a Igreja Invísivel, Cowboy Fora da Lei, Trem das Sete), à família (Sapato 36) ao Brasil desde 1500 até os seus dias (Aluga-se, Movido à Alcool, Não Fosse o Cabral, Só Pra Variar), enfim, a tudo aquilo que em sua visão merecesse ser comentado e/ou criticado, lá ia ele compor e cantar sua indignação.
Raul, o primeiro que misturou o baião de Genival Lacerda com o rock de Elvis, cantava bolero, tango, blues, rock, samba (sim, samba). Cantava o brega, mas sem sê-lo (Tu És o MDC da Minha Vida, talvez a melhor música brega de todos os tempos). Cantava também o amor como poucos: o que se pode dizer de canções como Sim, Coração Noturno, O Segredo da Luz, Mata Virgem, Lua Cheia e Sunseed, verdadeiras obras primas não reconhecidas como tal, daquelas que tocam o coração e a alma. Cantou a morte, que detestava e amava, e cuja vinda aguardava sem pressa ("vem, mas demore a chegar"), tão lindamente, que ela passou a não parecer o mais terrível dos males. O complicado para a maioria das pessoas, se tornava menos díficil de se compreender nas palavras de Raulzito.
Até na hora de se despedir, Raul reconhece que seu momento já havia chegado ao fim ("eu vou, eu vou me embora, apostando em vocês, meu testamento deixo minha lucidez, vocês vão ter um mundo bem melhor que o meu", na canção 'A Geração da Luz', de 1984; ou em 'Banquete de Lixo', quando diz "meu amigo Marceleza (referindo-se à Marcelo Nova) já me disse com franqueza: 'não sou nenhuma ficção', e assim torto de verdade, com amor e com maldade, um abraço e até outra vez". Se hoje vivemos em um mundo um pouco melhor, Raulzito contribuiu grandemente. Pois não era ficção; era real, verdadeiro, visceral, vomitando frases que, em um primeiro momento, pareciam não ter sentido, mas analisando melhor, era justamente aquilo que todos queríamos dizer, em algum momento de nossas vidas. Ele, que no seu auge passou a ser cultuado como um Messias (Raul recusava categoricamente esse rótulo), depois que partiu, passou a ser tão ou mais adorado do que em vida. Não por aqueles chatos bebâdos que gritam o insuportável "Toca Raul!!" em qualquer lugar onde há um banquinho e um violão, mas por quem compreende, mesmo que minimamente, seu legado de indignação e inconformismo, que tanto sofreu por isso. Pena, para ele, que não tenha nascido burro, assim não teria sofrido tanto; mas sorte de uma enorme legião de fãs e seguidores, que puderam usufruir, cantarolando, sorrindo e chorando, da sua música.
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