sábado, 10 de setembro de 2011

O 11 de setembro que ninguém lembra


No próximo 11 de setembro, completa-se 10 anos do ataque às Torres Gêmeas, em Nova York, e ao Pentágono, em Washington DC. O planeta parará para ver as homenagens, far-se-ão minutos de silêncio mundo afora, redes de televisão darão voz aos parentes das vítimas ou aqueles que, milagrosamente, conseguiram escapar daquele que, dizem, foi o maior atentado terrorista da história. Na mesma data, só que há 38 anos, ocorreu um fato, também brutal, mas do qual pouco se ouve falar. Em 11 de setembro de 1973, foi consumado um golpe de Estado, com a colaboração norte americana, no Chile, naquele que é considerado um dos mais violentos golpes que ocorreram na América Latina nos anos 1960 e 1970.

Sob o governo de Salvador Allende, socialista eleito democraticamente, o Chile passou a controlar a maior parte de sua economia (foram estatizadas várias empresas, minas de cobre, bancos etc); por isso, os Estados Unidos, que já haviam financiados golpes no Brasil, Argentia e Uruguai, entre outros,  viam no governo Allende uma séria ameaça: a de transformar o Chile em uma nação socialista no Ocidente, algo inaceitável (e que já havia acontecido em Cuba) em tempos de Guerra Fria.

Com o apoio da CIA, que conspirou com grupos paramilitares direitistas, com os militares e com a oposição, o golpe militar se consumou em 11 de setembro, quando, ao resistir em La Moneda, e disposto a qualquer preço a não entregar o poder, Allende suicida-se com um tiro na cabeça (com um fuzil AK-47, presente de Fidel Castro).

O que aconteceu posteriormente, quando o general traidor Augusto Pinochet assume o poder, não carece de maiores explicações: repressão, censura, tortura, execuções de trabalhadores e estudantes no Estádio Nacional. Ao todo estima-se que 3 mil pessoas morreram nos anos de chumbo no Chile (1973-1990). Aproximadamente 3 mil pessoas morreram nos atentados de 11 de setembro de 2001.


*todas as mortes citadas foram brutais, e, na maior parte, de civis. Não se pretende aqui comparar um fato ao outro, pois a comparação é fora de propósito. Busca-se apenas alertar que todas as vidas perdidas nos dois eventos foram consequências de uma necessidade de se conseguir, a qualquer custo, impor ao mundo suas vontades, sua política neoliberal, o "american way of life". E, ressalve-se, os maiores atentados terroristas da História da Humanidade ocorreram em 6 e 9 de agosto de 1945, em Hiroshima e Nagazaki, quando 500 mil japoneses (civis) morreram pelas bombas atômicas lançadas pelo Estados Unidos da América.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Meias verdades (ou plenas mentiras)

Saiu nos jornais: policiais são investigados em São Paulo por suposta violência contra dois homens baleados. O "suposto" dessa primeira frase foi mero sofisma, já que há o registro da cena, gravado e amplamente divulgado. Isso reforça o quão despreparada é a Polícia Militar do Estado de São Paulo, já que denúncias de abusos cometidos por quem deveria contê-los são relativamente comuns. Houve, pouquíssimo tempo atrás, uma tentativa de assalto a um caixa eletrônico na zona Norte de São Paulo. Pois bem, a Polícia Militar foi chamada e, adivinhem: seis ladrões mortos, nenhum policial ferido. O que seria algo trivial (não se discute aqui se eliminar bandidos é ruim ou bom, cada um com suas opiniões), se observado com um pouco mais de zelo, torna-se asqueroso: todos os bandidos mortos foram baleados ou pelas costas, na altura da cabeça, e com marcas de tiros nas mãos, o que indica que os meliantes tentaram se proteger. Aí, usando um pouco de inteligência, conclui-se que o que ocorreu, verdadeiramente, foi uma execução sumária.

Depois desse preâmbulo, vêm o que realmente queremos discutir, que é a repercussão que tais fatos têm, dentro do nosso círculo familiar e de amizades . O mais interessante é ouvir a opinião dos mais velhos, que beira quase sempre uma radicalidade digna dos incautos: "a PM está certa, tem que matar todos eses vagabundos", e até clichês do tipo "bandido bom é bandido morto". Nessa discussão, fica claro que a geração que tem seus 50, 60 anos tem uma opinião formada que vai de encontro, e que remete à época da ditadura militar. Pra quem não tem conhecimento sobre o regime, na época em que vigorava no país, havia uma sensação falsa, manipulada, de que nosso bairro, nossa cidade, eram lugares muito mais seguros do que hoje. Essa segurança era dada, principalmente, pelo polícia altamente repressora, desrespeitosa dos direitos básicos do cidadão (qualquer cidadão), mas que, segundo os mais velhos, "não permitiam essa algazarra que se vê atualmente". Não consideram, porém, que nessa época, a polícia se impunha pelo medo, e não pelo respeito à autoridade. Mas, com a intransigência que caracterizam os mais vividos, provavelmente diriam que, quem não viveu naquele tempo, não poderia discutir sobre o tema.

A discussão nos dá base a uma reflexão que deveria ser obrigatória a todos: como nós enxergamos os problemas do nosso país, em especial o da segurança pública e a forma como lidamos com as informações sobre o tema. Talvez pelo fato de terem vivido uma época em que a notícia era dada de acordo com interesses de quem mandava (o governo repressor, a TV Globo etc), nossos pais têm suas opiniões e conceitos formados a partir de uma única versão: a oficial. Por exemplo: se o Esquadrão da Morte matou alguém, sob o pretexto de que esse alguém era bandido, e as mídias de então (TV e jornal) repassaram essa informação aos seus espectadores/leitores, é essa a versão que vale. Se é verdadeira ou não, isso não tem a menor importância.

No entanto, pode-se afirmar, sem medo de errar, que a responsabilidade por alguém recorrer ao mundo do crime não é só da própria pessoa, mas de todo um sistema que serve unicamente para estimular as desigualdades, reprimir as liberdades, moldar a consciência dos desavisados a seu bel prazer, transformar seres humanos, com suas falhas e fraquezas, em monstros que devem ser exterminados, para que nós possamos viver nossas vidinhas sob uma Ordem forçada e um Progresso que nunca chega. Mas, se ousarmos falar isso perto de alguém mais velho, certamente argumentarão que viveram em uma época em que havia menos oportunidades do que hoje, e que nem por isso viraram bandidos. 

Ora, cada indivíduo pensa de um modo diferente, vive situações diferentes, enfim, tem suas particularidades que podem transformá-los em mocinho ou vilão; é algo que não se pode generalizar, sob o risco de misturar realidades e situações distintas num único balaio. Uma contradição que serve para ilustrar o pensamento limitado da geração dos nossos pais: eles não se cansam de falar que "os ex-presídiarios não querem trabalhar, pois são vagabundos, por isso voltam ao mundo do crime", mas não consideram que a falta de oportunidades aos que saem da cadeia se deve ao próprio sistema que está posto. Aqui é proposto um exercício: tentem questionar seus pais, hipoteticamente: se eles fossem empresários, contratariam algum ex-detento para sua empresa. De novo, sem medo de errar, 90% responderiam, taxativamente: "de jeito nenhum!". Ou seja, a própria sociedade, que é também é responsável por formar o caráter daquele vive em seu meio, além de não fazê-lo, renega àqueles que mais precisam de ajuda. 

Mas, voltando ao tema inicial, ao discutir sobre a ação da polícia no caso dos dois homens baleados com alguns amigos, todos, sem exceção, afirmaram que a ação foi legítima, e até que deveria ser feita com mais frequência. Ou seja, tudo o que foi escrito sobre a geração dos nossos pais, pode-se, em certa medida, aplicar também a nossa juventude. Defendem que aqueles que deveriam zelar pela segurança e fazer valer a lei tornem-se, além de policiais, juízes e carrascos ao mesmo tempo. Há um sentimento geral de que o problema é estritamente pessoal, que circunstâncias externas não influem na formação do caráter. Como se você não fosse responsável por haver tanta violência; como se no ônibus, ao se recusar a sentar ao lado de alguém considerado 'diferente' (seja por que é negro, ou gay, ou porque está mal vestido pois não tem dinheiro pra comprar roupas novas), você não colabore para que o sentimento de revolta brote dentro de quem é discriminado; ou, como quando se, ao avistar alguém que julgue suspeito por causa da cor da pele, você atravesse a rua a passos largos. Essas situações, que só quem vive pode falar a respeito, tem um impacto em cada indivíduo. Uns tiram de letra, outros se revoltam; e, se se revoltam, tenha certeza que você também é diretamente responsável por isso.

Finalizando, o fato de se criticar o trabalho da Polícia Militar não significa uma preferência aos vilões da vida real; este espaço visa apenas propor que, daqui por diante, sempre que se tiver notícias como as expostas no primeiro parágrafo, que busquem obter mais informações, nas mais diversas fontes, ouvindo sempre todas os lados envolvidos, e não apenas formar opinião com base na manchete do grande jornal. Assim, talvez não incorramos no erro das gerações passadas, fazendo comentários raivosos, mas sem qualquer profundidade, servindo apenas como caixa de ressonância de meias verdades (ou plenas mentiras).